Esta foi uma Sexta-feira santa diferente para a igreja e para a comunidade cristã de Santo Ovídio, lá ao cimo da cidade de Gaia. A nova igreja recebeu uma nova Via Sacra, que nesse dia de Paixão foi abençoada e rezada pela primeira vez.
Trata-se de um conjunto de 15 quadros (esta Via Sacra inclui a 15:ª estação: A Ressurreição de Jesus, segundo o modelo proposto por João Paulo II), que foram dispostos harmónica e equilibradamente nas paredes laterais do novo templo, dando-lhes um novo colorido e um novo sentido.
- Sentíamos que as paredes da Igreja estavam demasiado nuas, e seria bem-vindo que ficassem decoradas; também era necessária a presença das imagens da Via Sacra para recordar a paixão de Cristo explica o pároco, Padre Nuno Cruz Queirós.
Como obter as imagens?
Importa usar a imaginação e apelar à generosidade.
Um pintor português que trabalha na Suíça com as comunidades de emigrantes teve conhecimento através de acções de cooperação realizadas entre escolas de Portugal e da Suíça da existência desta Igreja e do interesse em adquirir o conjunto dos quadros da Via Sacra. Como se dedica à pintura de imagens de inspiração bíblica e cristã (já publicámos uma delas nas nossas páginas), fez saber que tinha pintado uma via sacra segundo a sua própria inspiração a partir dos episódios da Paixão de Cristo.
O pároco viu e gostou:
- Entendi que era o género de pintura que se enquadrava nas paredes nuas da nossa igreja, dando-lhe um colorido próprio.
Quando foi posto o problema do pagamento, lamentava-se o pároco da falta de verba para um pagamento adequado e condigno do trabalho e do valor das pinturas.
É aqui que surge a generosidade: o pintor declarou que ofereceria os 15 quadros à Igreja de Santo Ovídio.
Depois foi tratar das molduras e preparar tudo para a benção e inauguração em Sexta-feira santa.
A lá foram colocadas as telas (que medem na pintura 70 por 50 cm, e com moldura apropriada e condizente, 86 por 66 cm), assinaladas por medalhões de bronze indicando o número de cada estação.
Quem é o pintor?
Chama-se Ernesto Ricou. Nasceu no Porto em 1948. Frequentou a Escola de Belas Artes do Porto e outras escolas de arte na Suíça, onde passou a viver, obtendo em 1994 o grau de Doutor pela Escola Superior de Artes Visuais de Genève.
Esta é a sua terceira interpretação da Paixão de Cristo. O talento e a fé juntaram-se para que acontecesse uma verdadeira obra de arte sacra.
- A estes dons Ernesto Ricou acrescentou o desprendimento e a generosidade do cristão, oferecendo a sua obra à Igreja de Santo Ovídio, recentemente construída recorda o pároco na capa de um álbum em que se encontram acomodados em tamanho reduzido os 15 quadros da Via Sacra. o álbum está disponível na secretaria da igreja e foi autografado na ocasião pelo pintor.
E acrescenta:
- Assim valorizada, esta Via Sacra vai inspirar a oração de gerações de paroquianos.
E não deixa de transmitir o devido agradecimento:
- A paróquia agradece-lhe, muito reconhecida.
Traços pictóricos
Esta via sacra é constituída por um conjunto de pinturas de traço mais simbólico ou interpretativo que anatómico ou realista, em que as cores contrastantes desempenham um papel essencial. Predomina o fundo roxo, ou escuro, mesmo negro, em contaste com cores vivas, como o azul, o verde e o vermelho, e alguns traços de branco (por exemplo, na última ceia), ou de amarelo (, por exemplo, no quadro Maria vai ao encontro de Jesus), segundo o tema de cada quadro.
Está claro que se trata de interpretações pessoais, traduzindo um universo pictórico vivencial e de aproximação ao mistério. Como em qualquer obra criativa, não podem ser unânimes as opiniões. Havia quem se mostrasse deslumbrado, e quem denotasse alguma desconfiança ou temor de incompreensão.
Mas uma coisa importa salientar: há a dignidade essencial da obra de arte. E há também aquele sentido poético e místico que a arte sacra deve sempre transmitir e fazer despertar em quem a observa. Afinal, a sua intenção primordial é a aproximação ao mistério e ao louvor divino.
A nova igreja paroquial de Santo Ovídio, a que ainda falta construir os complementos como o Centro paroquial e outras funcionalidades) passa assim a dispor de um conjunto de obras de arte sacra actual: uma tapeçaria da autoria de Fernando Lanhas (da qual se fez também uma conjunto de serigrafias); o baptistério e os vitrais, da autoria de Helena Abreu; o sacrário é uma peça do escultor Zulmiro de Carvalho.
Agora passa a dispor também da via sacra de Ernesto Ricou.
É bom que a tradição antiga da união entre a fé e a arte se continue a manifestar nos tempos que correm. (C. F.)